Uma crônica napolitana


MP Lafer 1980 de Marzio Casella
Este MP Lafer 1980 já protagonizou diversas aventuras no sul da Itália.

Por Marzio Casella *

Tudo começou em 1980, em Nápoles na Itália, quando o meu pai - um grande amante de carros como Mercedes, Jaguar, Porsche e Ferrari - num belo dia resolveu dar um presente para a minha mãe (que nunca teve a carteira de motorista) e comprou um incomum carro zero quilômetro de uma concessionária de Nápoles, que havia retirado o carro da importadora italiana, a Bepi Koelliker de Milão.

Na época, meu pai pagou o equivalente a 21 milhões de liras italianas, o que era suficiente para comprar três Mercedes W 114. Ah, sim, na Itália um carro como este era tão caro que era realmente um sonho. O MP Lafer que o meu pai comprou estava com todos os opcionais que a Lafer S.A. oferecia: pintura metálica, rodas de liga leve, painel de madeira, assentos e encostos em couro, vidros temperados esverdeados em degradê, capota rígida e, em suma, o que havia de melhor que já vi em vários exemplares do MP na Itália, embora nenhum com esta configuração completa.

Como o carro estava em nossa casa, nunca esteve fora de nossas vidas, dando-nos emoções raras e incomuns, mas o que marcou minha vida em particular, indelevelmente, foi seu charme explosivo e as muitas aventuras que vivi com ele, para não falar das muitas meninas que já me acompanharam nele ao longo dos anos... Então, quando fiz 18 anos o carro tornou-se realmente meu, só meu - você pode imaginar a combinação de inexperiência e arrogância que isso representa.

MP Lafer 1978 antes da restauração
Um MP Lafer 1978 sendo buscado para uma merecida restauração.

Usei o carro todos os dias à beira-mar, nas montanhas, na areia, cheguei a levar três e às vezes até quatro pessoas no MP, e inevitavelmente isso o arruinou. Então, alguns anos mais tarde, quando comecei a trabalhar e poupar algum dinheiro, comecei a restauração total do MP Lafer e minha escolha foi cumprir rigorosamente toda a originalidade obrigatória da Lafer S.A. Indústria Brasileira.

No entanto, ao contrário do que ocorre com os proprietários de MP Lafer no Brasil, aqui na Itália, para cada componente a ser substituído (além da mecânica Volkswagen) uma verdadeira aventura começava com uma busca interminável: da junta de vedação, que passa sob os parafusos do pára-brisa igual o original,  aos cajados de madeira das janelas de correr, entre outras peças.

Mas o pior de tudo foi que, por dez anos, eu não consegui encontrar alguém que pudesse forjar a grade dianteira, cromada em ABS. Toda vez que localizava um profissional da área eles me perguntavam quantas peças tinha para cromar. Eu dizia timidamente: apenas uma. Então eles sequer me passavam um preço. Mas, no ano passado, encontrei uma solução. A empresa, muito longe da minha casa, me custou uns seis jantares na companhia de ostras e champagne.

Peças de MP Lafer para cromar
As peças do MP Lafer desmontadas, precisando de um banho de cromação.

Porém, fiz duas peças cromadas, pois meu pai tinha uma sobressalente, que também foi se arruinando na garagem, depois de  todos estes anos. Após a restauração do meu amado MP Lafer (a montagem de todas as partes, que iam das seis horas da tarde até cinco da manhã seguinte só era interrompida por causa de uns 30 cigarros), a primeira coisa que fiz foi levar para os meus pais verem. Você não pode imaginar como os seus olhos brilhavam de alegria. Seus olhos brilhavam pois, naquela ocasião, eles perceberam que o presente foi apreciado mais uma vez. Também me emocionei porque estava orgulhoso do que havia feito.

Cada vez que trabalhava artesanalmente numa parte do carro eu sempre tentava imaginar como seria trabalhar na fábrica, de uma forma tradicional, criando um corpo tão perfeito e sólido. Falando sério: eu teria ficado em São Bernardo do Campo se a fábrica ainda existisse, e trabalharia de graça só para ver o nascimento de um carro novo a cada dia. Então solicito ao amigo Toninho, da Tony-Car, que se eu for para o Brasil, ficarei trabalhando na oficina, bebendo apenas  água e coca-cola,  e não champanhe como ele.

Base de gel na carroceria de fibra
Carroceria do MP Lafer 1978 sendo trabalhada em oficina italiana.

Olá Toninho! Vejo que no quadro geral de todas as reuniões, você não perde uma, não é mesmo? Mesmo há muitos anos - bem antes de descobrir que havia um site dedicado a este carro, que parecia encurtar as distâncias que separam a Itália do Brasil - eu já me sentia um laferista de coração. Quando vejo as fotos do Clube MP Lafer Brasil e de suas reuniões periódicas, acreditem: eu estou com vocês. Também gostaria de cumprimentar esse bom italiano, o Senhor Romeu Nardini (uma família de Lucca, na Itália), dono de um MP Lafer vermelho. Olá Romeu, força Itália!

No início deste ano, mais precisamente em fevereiro, um amigo me disse que, não muito longe de Nápoles, havia um cara que estava vendendo um carro como o meu, mas que tinha alguma coisa para corrigir. Ele sequer terminou a frase e depois de meia hora estávamos ali para ver o carro. Quando o portão se abriu, olhamos para a esquerda e vimos outro exemplar esplêndido de MP Lafer.

Na verdade o carro precisava ser restaurado completamente: não havia cromo sem ferrugem, o motor estava parado, os assoalhos cheios de ferrugem e buracos, o sistema elétrico era quase inexistente, as vigias laterais não tinham as molduras de metal. Mas de resto o carro estava inteiro e o valor que paguei por ele foi o de menos diante de um importante acessório que ele tinha: a capota rígida. Uma pechincha.

Dois MPs - uma garagem
Dois MPs numa só garagem: é preciso ser laferista para entender esta paixão.

Depois de uma semana o MP Lafer já estava na minha garagem para fazer companhia para o outro. Você não sabe quanto tempo eu passo na garagem desde então só para olhar para eles, juntos. Mas você sabe o que quero dizer.

Após alguns dias o "convidado" novo já havia sido despojado de tudo e estava pronto para a restauração, com a substituição das bandejas do assoalho, revisão de fibra de vidro com lixamento mecânico, isolamento, pintura e revestimento de gel na parte de baixo da carroceria. Enquanto isso os bancos foram refeitos, o painel de madeira em mogno foi manufaturado por um amigo artesão, a tapeçaria foi providenciada bem como as maçanetas cromadas do Passat, além da procura pelas guarnições e a reprodução das janelas laterais.

Vigia lateral do MP Lafer
As vigias laterais deste MP foram reconstituídas com sucesso.

Encontrei em Milão, com grande sucesso, um tanque de gasolina original e novo, as alavancas internas das portas para fazer os vidros das janelas deslizarem, a tampa da grade, o puxador do cabo para abrir o compartimento do motor, a trava do compartimento do motor e outros pequenos detalhes. Comprei todo o estoque. Encomendei a reconstrução de outros detalhes a partir de amostras de outros MPs. Que sorte, amigos!

Hoje o MP Lafer está de volta ao seu estado original, branco pérola, mas ainda há alguns detalhes restantes. Mas no fundo isso é bom, porque você nunca quer parar e quando você pensa que terminou, tem que ver por onde recomeçar: Estes são brinquedos de nós, adultos.

MP Lafer 1978 de Marzio Casella
O MP Lafer branco pérola em noite de gala pelas ruas de Nápoles.

Com estas poucas linhas que me restam aproveito a oportunidade para saudar todos os laferistas. Quem sabe um dia eu possa estar com vocês. Os caminhos de Deus são infinitos...

* Marzio Casella é representante comercial na região de Nápoles, no sul da Itália. Seu relato foi enviado ao mplafer.net em 11 de dezembro de 2012.


Veja também:

Galeria 2012: Casella
Mais Relatos & Registros

3 comentários:

  1. A história contada pelo Marzio Casella, chega a emocionar. Restaurar um MP Lafer para nós, já não é facil. Imaginem para quem está na Italia ou qualquer outro país. Marzio demonstra um amor muito grande pelo "carrinho". Se tornou um autentico Laferista. Tem dois carros e está "namorando" um terceiro. Esse post é um presente do Jean e de todos os laferistas brasileiros, pois amanhã (23/12) esse napolitano pazzo, faz aniversario. Auguri Casella! Romeu.

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  2. Anônimo5/3/13 17:17

    Só quem tem ou deseja ter um MP Lafer sabe o que o Marzio Casella sentiu e está sentindo. Lindo relato e isso só prova que andar num MP é coisa inexplicável! Saudações a todos os Laferistas de todos os continentes!O filho dele, se o têm, vai sentir a mesma coisa!
    Sou um laferista sozinho aqui em Carazinho - RS. Um abraço a todos!
    carlos Alberto Maran.

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  3. Eu sei...tive um Lafer 1977, consegui comprar em 2004.... acabei vendendo depous de um certo tempo.
    Mas uma vez andado nele, sempre fica a vontade de voltar a ter um novamente.

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