Numa garagem que abriga um MP Lafer, um Corsa será sempre um coadjuvante, mas mesmo um carro como ele merece a nossa consideração. |
Paulínia, 16 de agosto de 2013
Meu caro amigo Corsa,
A gente se conheceu quando a Renata, então minha namorada, foi buscar você na concessionária em meados de 2009, naquele ano doido em que resolvemos nos casar. Você era zerinho e tinha cheiro de plástico virgem. A primeira coisa que fiz foi procurar a alavanca para reclinar o banco, pois em época de namoro isto é essencial.
Porém, demorou alguns meses para descobrirmos que seríamos grandes companheiros. Foi quando você nos levou para a lua de mel, depois de ser preterido para conduzir a noiva até a festa do casamento - tarefa que coube ao MP Lafer, aquele carro cheio de pose que fez par com você na garagem lá de casa, por quase quatro anos. Casa que por sinal também era novinha - razão pela qual o dinheiro estava contado e nossa lua de mel teve que ser logo ali, em Águas de Lindoia.
Se a lua de mel foi pertinho de casa, pelo menos levei a Renata para o hotel mais pomposo da cidade, e fiz os manobristas darem tratamento de príncipe para você, igual ao que eles reservavam para aqueles esportivos cuja cavalaria seria suficiente para invadir o Paraguai. De lá nós rodamos as cidadezinhas charmosas do circuito das águas e do sul de Minas Gerais. Foram dias muito agradáveis onde conheci estradas deliciosas, que prometi percorrer novamente, a bordo do MP Lafer.
O Corsa Hatch 1.4 2009/2010 teve seus dias de nobreza na escadaria do hotel mais garboso de Águas de Lindoia. |
Aos poucos você foi substituindo o MP nas visitas em obras e outros compromissos profissionais. Descobri sua versatilidade quando comprei quatro mesas e 16 banquetas para a área de lazer, e fiz caber tudo abaixando o banco traseiro. E tome material de construção, que as vezes eu comprava para os meus clientes, nas obras que administrava.
A Renata curtiu o MP desde o começo, mas ela sempre se sentiu mais segura com você. Por isso o escolhemos para muitos de nossos passeios nos fins de semana. Lembra quando fomos para Campos do Jordão? Na volta resolvi descer pela estrada velha e fomos parar em São Francisco Xavier, onde almoçamos truta com feijão, arroz e batata. Depois de encher a pança coloquei você na terra, em direção à Joanópolis, triscando Monte Verde numa aventura marcante.
O ponto alto daquela viagem foi naquele trecho todo cascalhado, quando fiz uma derrapagem controlada para fazer uma curva fechada à direita, com o volante girando para a esquerda. De um lado da pista havia um paredão e, de outro, uma ribanceira sem fundo avistável. A Renata ficou apavorada, possessa. E a gente saiu daquela curva dando gargalhadas - era tesão e satisfação demais para reprimir.
O Corsa estacionado no acesso da Cachoeira Pedro Davi, nas imediações de São Francisco Xavier a caminho de Joanópolis. |
Você voltou para a terra quando fomos para Ilhabela, passar uma virada de ano na pousada de um amigo. Farejamos juntos os dois extremos transitáveis daquele famoso pólo turístico. Você nunca reclamou, mesmo quando uma pedra ficou enroscada na proteção do cárter. Devo lembrar que sempre cuidei muito bem de você. Meu mecânico de confiança nunca precisou fazer qualquer tipo de reparo, salvo trocar componentes com prazo ou quilometragem programada.
Sua confiabilidade era tamanha que você nunca nos deixou na mão. Eu é que pisei na bola uma vez, quando coloquei gasolina "extra-power-high-torque" e deixei você todo embaralhado. Fora isso, nunca faltou óleo de primeira linha e até na troca dos pneus fui gente fina contigo. Você foi entregue para a Renata com pneus chineses e te calcei com borracha brasileira da boa, vinda da uma fábrica de Americana.
Acho que o clímax de nossa amizade aconteceu recentemente, quando fomos buscar a Renata e a Carolina na maternidade. Foi um dia maravilhoso. Pensei que teria uma tremedeira nas pernas mas, subitamente, fui tomado por um sentimento de serenidade, em parte inspirado na certeza de que você não ia quebrar. Já pensou quando a Carolina crescer? Vou contar para ela que você me ajudou a buscá-la em Campinas.
Imagem emblemática que deve ser comum em tantas famílias: a saída da maternidade. Não tem como tal ocasião ser corriqueira. |
Ironicamente a chegada da Carolina fez a gente nos separar. A Renata me pediu um carro com bagageiro maior, além de direção hidráulica, airbag, ar condicionado e freios ABS - tudo em nome da segurança e conforto para ela e para a Carol. Você sabe que nunca liguei para essas coisas, mas sabe também que lá em casa ela é a chefa, e não tiro a razão dela.
Não pense que foi fácil entregar você na agência. Me perdoe por não ter olhado para trás quando deixei você no estacionamento. Se pudesse ficaria com você também, mas seria um grande desperdício deixá-lo de escanteio. É por isso que espero que seu próximo motorista seja cuidadoso. Na mão da pessoa certa você ainda pode render por muitos anos, e quem sabe até receber uma placa preta.
Nosso querido Corsinha curtindo uma sombra na aprazível cidade de Socorro, num dos inúmeros passeios realizados com ele. |
Você ainda ouvirá muita gente dizendo que você é um carro ordinário e sem graça. Não acredite neles. Você tem a alma de um trator valente. Se não criei um site dedicado para você, ou sequer escrevi um livro contando sua história, isso não quer dizer que você passou em branco por nossas vidas. Apenas chegou o momento de participar de outras histórias.
Adeus, meu querido Corsa,
Jean Tosetto *
* Jean Tosetto é arquiteto desde 1999 e editor do site mplafer.net desde 2001. É também autor do livro “MP Lafer: a recriação de um ícone” - lançado em 2012.
KKK show de bola sua historia junto deste Corsa, o meu é da mesma cor, um ano mais recente, mas espero antes de entrega-lo em merce de um mais atual, passar por muitas aventuras junto dele :D
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