O legado de Anísio Campos - piloto e desenhista de automóveis - seria extenso demais para se esgotar num filme. Por isso a leveza e sensibilidade de "Homem-Carro" é tocante.
Por Jean Tosetto *
A lógica do mercado cinematográfico brasileiro não difere do que ocorre nos Estados Unidos e Europa, onde o custo de divulgação e distribuição de filmes independentes muitas vezes supera o próprio custo da produção. Por isso, só ficamos sabendo do lançamento do filme "Homem-Carro" em função dos Correios, que entregaram em nosso escritório um envelope pardo com uma breve mensagem de agradecimento. Dentro dele havia um DVD com o resultado de um trabalho que levou quase quatro anos para ser concluído.
O motivo de recebermos tal honraria se explica pela forma de financiamento de "Homem-Carro", através do sistema de "crowdfunding" pelo site Catarse - uma espécie de "vaquinha" coletada pela Internet. Além de colaborar com uma quantia simbólica para o projeto, também facilitamos o contato da produtora do filme, Raquel Valadares, filha de Anísio Campos, com Sergio Pimenta, presidente do Clube Nick Pag Dacon (um modelo criado por Campos). O Pimenta é uma figura conhecida dos entusiastas do MP Lafer - ele trabalhou na fábrica por muitos anos e também é citado no livro "MP Lafer: a recriação de um ícone".
Nick Pag Dacon fotografado em evento de Águas de Lindóia, em 2012. |
É difícil classificar a obra de Raquel Valadares. Teoricamente trata-se de um documentário, mas sem a densidade jornalística de uma reportagem convencional, conduzida com certo distanciamento afetivo em relação ao personagem principal. Também não é um "road-movie", embora as visitas aos lugares relacionados com a carreira de Anísio Campos - bem como aos colecionadores que conservam sua criações - possam indicar. Tão pouco "Homem-Carro" seria um drama familiar, apesar de funcionar como um registro inequívoco da relação passada à limpo entre uma filha e seu pai - e neste ponto encontramos a singularidade do filme.
Raquel Valadares conduz o enredo com leveza e sensibilidade. A trilha sonora sofisticada, contemporânea e original, combina com a boa edição de imagens e tomadas suaves. A cena de Anísio Campos guiando um 828 Dacon no terraço de um edifício paulistano é marcante, com ele demonstrando a capacidade de manobra do carro, cruzando os braços ao girar o volante sem soltar as mãos - um cacoete típico que apenas os melhores pilotos conservam depois de tantos anos. As sequências filmadas num autódromo do interior paulista, reunindo boa parte dos veículos criados por Anísio, também emociona, por revelar roncos de motores pouco ouvidos nas grandes cidades de hoje.
"Homem-Carro" é uma co-produção da Anima Lucis e da Segunda-Feira Filmes, e tem apenas 73 minutos de duração, que parecem bem menos devido à cadência gingada da edição e à capacidade de envolver o espectador. O filme termina deixando aquela sensação de "quero mais". Talvez essa fome de querer saber mais sobre a vida e obra de Anísio Campos só possa ser suprida através de um livro de dimensões enciclopédicas. Um tijolaço que já teria sido escrito se o designer em questão fosse italiano ou norte-americano.
Nessa altura do campeonato você deve estar se perguntando como pode comprar o DVD do filme. O fato é que ele ainda não está disponível para venda. Antes que isso ocorra, a Raquel Valadares está tentando a inscrição de sua produção nos festivais de cinema - uma tarefa árdua sem o apoio da grande mídia e mesmo de jornalistas especializados, salvo gratas exceções.
Saiba mais sobre este emblemático projeto no site oficial de "Homem-Carro".
* Jean Tosetto é arquiteto desde 1999 e editor do site mplafer.net desde 2001. É também autor do livro “MP Lafer: a recriação de um ícone” - lançado em 2012.
Com muita ansiedade estamos esperando o lançamento desse Documentário, feito pela Raquel.
ResponderExcluirUm documento histórico e demonstração de reconhecimento ao grande piloto, desenhista, projetista, criador de vários carros importantes, que fizeram parte da história da nossa industria automobilística.
Parabéns pelo seu texto, Jean!
Caro Romeu, grato pela leitura. Vivemos num país que maltrata a própria memória. Por isso, um filme como "Homem-Carro" é muito bem vindo - que sirva de exemplo para uma nova geração familiarizada com a tecnologia digital, pois há muita gente de valor que também merece um registro como este. Abraços!
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