Baquet: um carro antigo despido ao essencial para disputar uma prova de longa duração. |
Em homenagem ao piloto Juan Manuel Fangio, 32 Baquets com pilotos e navegadores percorreram 1.800 quilômetros entre Buenos Aires e San Martim De Los Andes, durante o mês de novembro de 2014. Apenas dois carros não completaram a prova.
Fotos: Fabian Gallucci - Texto: Orlando Bongiardino - Tradução: Jean Tosetto *
Pelas veias dos argentinos corre combustível, azeite e algo de sangue. A este povo são familiares os nomes de Nuvolari, Farina, Varzi, Castellotti, Musso, Fagioli, Villoressi. A Argentina teve um pentacampeão do mundo na Fórmula 1 que considerava Senna seu preferido. Isso está em seu DNA. Ferrari, Maserati, Lamborghini, Alfa Romeo, Pininfarina e Abarth são nomes com os quais os argentinos cresceram.
Há quase 100 anos, nos povoados do interior, os valentes garotos se perguntavam num sábado à noite que coisa poderiam fazer por diversão, que não tinham feito ainda. Sair a correr com o carro do papai, ou do tio, foi o resultado deste “brainstorming”. E lá foram eles, traçando um circuito imaginário nos campos, por caminhos de terra.
Os campos platenses onde se moldaram grandes pilotos. |
Logo se deram conta de que, tirando o peso desnecessário dos carros, estes corriam mais. A competição era grande. Assim começaram pelos para-choques, logo eliminaram também os para-lamas e por fim desmontaram a carroceria, preservando apenas os acentos e o tanque de gasolina.
Sem querer inventaram a Baquet, o primeiro tipo de carros de corrida na Argentina. Correram cada vez mais, se mataram cada vez mais, e logo foram proibidos de correr de Baquet por quase uma década. Porém, a semente havia germinado.
Os estepes pendurados no carro são muito úteis em trajetos prolongados. |
Correndo sobre o cascalho com tração traseira para controlar as derrapagens. |
A categoria seguinte - o Turismo de Carretera, ou simplesmente TC - é praticada até hoje em dia na Argentina, sendo a que mais público concentra depois do futebol.
Há apenas alguns anos, ocorreu de alguém aproveitar os ferros velhos, que certa vez havia comprado por via das dúvidas, para compor uma réplica daquelas Baquets.
O resultado foi um veículo divertido, alegre e fácil de fazer. Brotou novamente aquele DNA de entusiasmo e a novidade se espalhou como um vírus. Havia muitas Baquets, mas não havia onde usa-las.
Ford, Bugatti, Chevrolet: não importa a marca para compor uma Baquet. |
Não existe Baquet feita para ficar na garagem. Viajar é uma premissa. |
O Clube Amigos de Automóveis Antigos tomou a frente, inventou e registrou o “Grande Prêmio Argentino de Baquets” e começou a trabalhar em saídas anuais para seus sócios. Após três exitosos intentos, a entidade considerou que era hora de fazer um evento aberto e programou seu IV GP, a Edição Transpatagônica.
Partindo de Buenos Aires, esta edição percorreu a planície dos Pampas, o deserto patagônico e as montanhas dos contrafortes da Cordilheira dos Andes, repleta de lagos.
Cenário idílico para uma reunião de Baquets e entusiastas. |
Quando o leito de um riacho se torna também um leito carroçável. |
Dormiu-se na vivenda de um oásis no meio do deserto. Atravessaram atoleiros e areais. Subiram as serras de Neuquén e desceram aos férteis vales frutícolas do Rio Negro, tomados pelo verde.
As máquinas se quebraram e se consertaram no caminho - DNA das gerações mecânicas, não cibernéticas. Juntas de cabeçote foram trocadas, rolamentos e correias foram recondicionados na base do improviso. Em cada lugarejo os habitantes se empolgavam para oferecer ajuda: uma garrafa de água mineral, uma oficina, uma tampa de distribuidores, um banho ou o que fosse preciso.
Pilotos e navegadores são mecânicos e rebocadores, uns dos outros. |
Para sair do atoleiro, só com um empurrão dos amigos. |
As tripulações se revestiram de lama e areia. Também se revestiram de amor por esta terra, tão diversa em sua paisagem e tão parelha em sua hospitalidade e amizade. O GP foi duro, mas o resultado foi supreendentemente além das mais otimistas expectativas dos organizadores.
Pilotos e navegadores esperam ansiosamente a edição de 2015. Os que não foram se culpam de não ter comparecido e esperam sentados para reparar a lacuna. Os que ainda não possuem uma Baquet procuram montar uma. O efeito expansivo do GP é extraordinário. Um jornalista alemão disse: “Incrível, nunca vi nada igual.” Um corredor suíço de rally exclamou: “Perfeito!” Um motorista austríaco e um tripulante alemão reconheceram ter participado de suas melhores experiências sobre rodas. Todos desejam voltar.
Lamaçais deixam carros, pilotos e navegadores impregnados de argentinidade. |
A melhor carne vermelha do mundo vem dos Pampas onde os bovinos veem Baquets passar. |
Os caminhos que foram escolhidos eram estradas vicinais, fora do asfalto e fora das rotas turísticas habituais. O interior do interior foi a palavra de ordem. A diversidade da paisagem e a extensão desse país asseguram muitos anos de destinos diferentes e igualmente interessantes.
O Farol do Fim do Mundo ao sul, a zona de influência Inca ao norte, a infinita Cordilheira dos Andes a oeste, a selva nativa e o Oceano Atlântico ao leste, são alguns destes destinos.
As Baquets fizeram a festa em pequenos povoados no interior profundo da Argentina. |
Um raro momento neste Grande Prêmio: um trecho asfaltado. |
Havia motores de quatro, seis e oito cilindros. Porém, o motor que mais empurrou e impregnou de estilo este GP foi a solidariedade. D’Artagnan apontou um lema pertinente: “Um por todos e todos por um.” As fotografias são testemunhas desta solidariedade maravilhosa que imperou em cada dificuldade vencida com entusiasmo e bom humor.
Os argentinos, que são meio italianos e meio espanhóis, possuem uma habilidade extraordinária para complicar as coisas mais simples e faze-las de qualquer jeito. No entanto, desta vez, a força de vontade misturada com garra e coração resultaram num evento memorável. Os portenhos sabem que no próximo ano receberão muitas visitas do exterior e esperam que seu limitado grid seja suficiente para receber todos os amigos. Todos serão mais do que bem vindos.
Permanecer jovem é acreditar que o melhor ainda está por vir. |
Piloto alivia o peso do conjunto enquanto mecânico trabalha na suspensão do veículo. |
Porque nas veias dos argentinos corre combustível, azeite e algo de sangue.
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Veja também:
* Artigo publicado originalmente na Revista MotorMachine número 11, em janeiro de 2015.
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"O brasileiro é apaixonado por carros", dizia um comercial da Ipiranga. Pode ser mas, se isso é verdade, também é fato que, quem realmente entende de carros na América Latina são os argentinos. A esses verdadeiros apaixonados, meu respeito e profunda admiração.
ResponderExcluirCaro Julio Cesar, já imaginou um Grande Prêmio de Baquets disputado no Sul de Minas Gerais ou Vale do Paraíba? Quem sabe na Serra Gaúcha?
ExcluirO Brasil também tem cenários maravilhosos para raids de carros antigos. Os argentinos fazem isso há muito tempo e essa cultura está apenas começando por aqui, com algumas iniciativas de clubes como o CAAT de Taubaté, que anualmente faz um rally de regularidade na Mantiqueira.
Abraços!