Portão para a luz em caminho cavado na pedra. |
Certas viagens dispensam o pagamento de pedágios, filas de checagem em aeroportos, reservas em hotéis de luxo. O prazer de encontrar um recanto perdido, que a TV não mostra, é inversamente proporcional à fama do lugar.
Por Jean Tosetto *
O filósofo Sêneca já afirmava, no tempo de Cristo, que a felicidade não está onde a maioria procura. Antes mesmo de ler os escritos do notório cidadão romano, de certa forma eu já praticava tal premissa, sempre que percorria uma estrada perdida, fazendo um caminho diferente para chegar a um destino pouco procurado.
Por exemplo? Gosto de ir para a região de Socorro, no interior de São Paulo. O caminho mais conhecido para lá, saindo de Paulínia, é seguir até Lindóia e virar à direita na entrada da cidade. Porém, abasteci o carro em Monte Alegre do Sul e o frentista parecia ser um velho amigo. Perguntei sobre um corta caminho para Socorro e ele me explicou sobre umas quebradas que passavam perto de Pinhalzinho.
Que estradinha deliciosa. Vi uma igrejinha no pé de uma montanha e tenho certeza de que ali tinha algo de divino, com algumas casinhas humildes por perto e o gado pastando junto do campinho de futebol, na beira de um riacho.
Capelinha evangélica perdida no pé da serra. |
Em Socorro gosto muito de caminhar pelas arruelas que cercam a Praça da Matriz. Certa vez, paramos numa casa de sucos para saborear uma tigela de açaí. Saindo dela, o momento de epifania:
O sol por trás dos galhos das árvores, pouco acima da encosta, quase se pondo antes da hora naquele miolo de serra. A máquina fotográfica, sempre a tira colo, foi acionada instantaneamente. Se você não consegue ver beleza nisto, sinto muito.
Praça central de Socorro. |
De Socorro a gente se encaminha para Bueno Brandão, no sul de Minas Gerais, uma cidadezinha guardada numa gaveta da Serra da Mantiqueira.
Para chegar lá pela primeira vez, recusei o uso de GPS: fui perguntando o caminho para as pessoas mesmo, com seus sotaques misturados, usando referências claras para elas e quase incompreensíveis para mim. Parte do prazer era reconhecer os lugares citados, como se estivesse resolvendo um enigma.
E a estradinha era realmente linda, repleta de cafezais pendurados nas encostas, algumas casas coloniais abandonadas, naturalmente amareladas pela pátina do tempo. E aqueles Fusquinhas estacionados nas varandas dos casebres? Cada um merecia uma foto.
Foto? Eu teria que parar a cada 50 metros para fazer uma. E as fotos não captariam o cheiro da brisa e a sensação de êxtase ao encher os pulmões com ar puro, fazendo uma curva fechada e descobrindo a existência de um vale verdejante, que a natureza criou para beneficiar o por do sol de quem mora naquele chalé, no alto da montanha, entre pedras e ciprestes.
Como domar a vontade de parar nos alambiques para saborear as cachaças artesanais? Mesmo para um sujeito que deixa a cerveja vencer na geladeira, saborear uma pinga caseira, uma vez na vida, não seria um pecado.
Cachoeira das Andorinhas em Monte Alegre do Sul. |
Também recusei a me embrenhar pelas vias vicinais que conduziam às inúmeras cachoeiras da região. Num único dia não haveria tempo para tantos mergulhos.
Em Bueno Brandão, estacionei o carro na frente da Igreja Matriz, e provei minha passagem por lá, clicando sua fachada.
Igreja Matriz de Bueno Brandão. |
Minha esposa - e companheira de aventuras - perguntou sobre minha mania de fotografar igrejas. Respondi que, quando fosse para a estância de São Pedro, mostraria minha coleção de fotos de igrejas e capelas e, quem sabe com isso, facilitaria meu ingresso no Paraíso.
Acho que vou precisar de um pendrive transcendental.
* Jean Tosetto é arquiteto desde 1999 e editor do site mplafer.net desde 2001. É também autor do livro “MP Lafer: a recriação de um ícone” - lançado em 2012.
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