Sete fachos de luz, a melhor companheira de um viajante noturno. |
Por Jean Tosetto *
Quando decidi aposentar o MP Lafer do uso cotidiano, levei o carro para a chácara de meus pais, com a intenção de dirigir ele uma vez por semana, para manter as baterias sempre carregadas - a dele e a minha.
Mas os compromissos foram se avolumando, invadindo também os fins de semana, e o espaçamento entre as escapadas com o conversível foi aumentando. Desta vez o intervalo atingiu um mês - o que considero um absurdo.
O domingo já tinha virado noite quando resolvi encerrar o hiato. Duvidaram que o carro pegasse, mas fui mais esperto: instalei uma chave geral perto dos terminais da bateria, de modo que o ritual começou.
Acendi a luz da pequena garagem feita especialmente para o MP. Tirei a capa protetora mais pesada por causa do pó que foi acumulando. Liguei a chave geral. Antes de girar a chave no painel, dei três bombadas no pedal do acelerador. Não era mandinga, era um macete para que os carburadores não trabalhassem a seco na ignição.
O motor pegou de primeira. Parecia um velho ranzinza pigarreando, é verdade. Ou seria alguém tentando encher uma bexiga toda amarrotada? O fato é que depois de limpar os pulmões o motor passou a berrar por completo, respondendo às bombadas intermitentes no acelerador.
Fui até a estrada dos pesqueiros, subindo e descendo pequenas elevações, entre matas protegidas e sítios querendo virar cidade. Nas baixadas, passando ao lado dos açudes, o ar fica ainda mais frio e úmido - gostoso de respirar.
Contornando as curvas e as lombadas, adentro no túnel formado pelas copas das árvores se abraçando em cima da pista. O trecho já é lindo durante o dia, com os raios de sol querendo penetrar na festa, brincando com nossas retinas. De noite os fachos de farol salientam o expressionismo em preto e branco das galhadas entrelaçadas, como num filme de Nosferatu.
Finalmente adentro na grande reta do canavial, que nesta época do ano está sendo colhido. O cheiro de vinhaça se mistura com os ventos gelados. E as janelas sempre abaixadas, para não perder um tico sequer daquele odor inebriante para alguns, enjoativo para muitos. Para mim, apenas uma reminiscência da infância e das autênticas festas juninas que aconteciam por aquelas bandas.
Na rotatória, a possibilidade de alcançar a grande estrada, que leva até a divisa do estado. Mas a grande viagem vai ter que esperar. Fiz o caminho de volta, esquecendo-me das miudezas do dia a dia, organizando os pensamentos e tentando aquecer as mãos - uma no volante e a outra entre as pernas.
A espera valeu a pena. O passeio foi curto, mas cumpriu seu objetivo.
* Jean Tosetto é autor do livro "MP Lafer: a recriação de um ícone".
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