As chaves da boa esperança

Às vezes o que é extraordinário está escondido nas entrelinhas de algo absolutamente corriqueiro.

Às vezes o que é extraordinário está escondido nas entrelinhas de algo absolutamente corriqueiro. 

Por Jean Tosetto *

Caro 26 de Dezembro,

As pessoas não dão muita importância para você. Na TV os canais anunciam as retrospectivas de cada ano e nem te levam em consideração. Você é como aquele minuto de desconto de um jogo de futebol com o placar definido, quando o narrador pede para os telespectadores não perderem o próximo capítulo da novela.

Mas deixe-me contar o que aconteceu no seu dia.

Peguei o carro da esposa e fui ao centro resolver pendências. O trânsito da cidade estava surpreendentemente tranquilo, como antigamente. Mesmo assim estacionei numa rua paralela da avenida, para evitar os sinais de trânsito.

Fui num banco fazer um depósito e no outro para retirar um cheque mal preenchido. E tome fila e chá de cadeira - situação atenuada pela falta de pressa nessa época do ano.

Finalmente voltei para o carro. Fui pescar a chave no bolso e nada. Percebi que havia um trecho dele com a costura desfeita. A chave havia sumido...

Refiz todo o trajeto vagarosamente, esquadrinhando cada metro quadrado de chão com os olhos. E nada. Falei com o segurança de um banco. Nada. Falei com o segurança do outro. Nada.

Comecei a pensar no transtorno de ligar para a esposa e pedir para ela trazer a chave reserva. Ainda teria que ir à agência pedir outra chave e reprogramar o chip que as chaves modernas possuem. E a chatice que seria providenciar isso?

Então pensei que talvez a chave estivesse no volante do carro. A poucos metros dele o celular tocou. Era a minha esposa.

- Você perdeu a chave do carro?

- Como você sabe?

O vizinho tinha avisado. Ele recebeu um telefonema da Polícia Militar, avisando que a chave estava na sede da Defesa Civil de Paulínia, bem na esquina onde eu havia estacionado o carro.

O alívio foi proporcional ao transtorno de antes. Agradeci efusivamente aos membros da Defesa Civil. Eles disseram que dois bombeiros haviam deixado a chave com eles.

Antes de entrar em casa fui agradecer ao vizinho. Ele disse que a Polícia ligou para a sua casa, pois o nosso telefone residencial não consta na lista. Certamente nos localizaram por causa da placa do carro, mas isso não fechou o mistério.

De noite fui até a padaria comprar pão. Logo em seguida entraram dois homens fardados - eram do Corpo de Bombeiros.

- Você é o dono do Pálio Weekend?

- Sim, pois não?

- Você encontrou a chave?

Nesse momento vi uma ambulância de resgate estacionada lá fora. Eles tinham atendido uma ocorrência perto do meu bairro e viram o carro da minha esposa na padaria.

Eles me contaram que um senhor havia encontrado a chave no chão, do lado do carro. Ele testou o botão do alarme e certificou que era a chave deste, entregando-a para os bombeiros que passavam por ali, que a deixaram na Defesa Civil.

Mais agradecimentos e o aviso para contarem comigo no que fosse preciso.

Voltando para casa, de novo, concluí que o mundo ainda tem esperança, que ainda existem pessoas honestas, que a Polícia existe para proteger e servir, e que os bombeiros são heróis anônimos da sociedade.

Isso tudo aconteceu num 26 de Dezembro, meu caro. Sabe o motivo?

É que você é um dia especial.

* Jean Tosetto é arquiteto desde 1999 e editor do site mplafer.net desde 2001. É também autor do livro “MP Lafer: a recriação de um ícone” - lançado em 2012. Este artigo foi publicado originalmente na Revista MotorMachine número 07, em março de 2014.

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